AMADO, Jorge

Capitães de areia

Ed. Record, Rio de Janeiro 1980 (49ª ed.), 235 pp.

Descreve a situação de vida de um grupo de meninos abandonados, vivendo num trapiche à beira-mar, e perto do cais do porto, nos bairros baixos da cidade de Salvador, por volta de 1937. São garotos, de aproximadamente 15 anos que, segundo o Autor, são incompreendidos e rejeitados pela alta sociedade. Aos poucos, vão compreendendo, na experiência de cada um, que o mal está nesta mesma sociedade, sendo necessário lutar para mudar o que está errado. Terminam odiando os que a ela pertencem: os políticos, a polícia, os reformatórios, etc. A ação de Igreja só merece confiança quando se identifica com a defesa dos oprimidos, mesmo que estes matem, roubem e se entreguem a todo tipo de vícios... não importa. O mal está na sociedade e a culpa não é deles. É uma forma de dogmatizar que o fim justifica os meios.

Com isso, é fácil para o Autor, estabelecer todo o enquadramento marxista com que pretende justificar a revolução.

O livro começa a descrição de como Pedro Bala —rapaz de 15 anos— se faz capitão de uma quadrilha de menores assaltantes. Posteriormente, das páginas 28 a 44 descreve cada um dos personagens principais que vão intervir: João Grande, "negro burro, mas forte!"; o Professor, o que está sempre lendo, é o que tem as idéias dos assaltos; Sem-Pernas, um coxo necessitado de carinho; Pirulito, que quer ser como o Padre José Pedro; Boa Vida, Brandão e Almiro são homossexuais. O Gato é como um deles, só que prefere viver com uma amante; Volta Seca é um mulato sertanejo de expressões sombrias. O Querido de Deus é um pescador, hábil capoeirista e intermediário dos "negócios" do bando. Finalmente, Dora, a menina que quando morre sua mãe, se junta ao bando, unindo-se aos seus assaltos. O padre José Pedro quer ajudá-los a se redimirem, mas termina, —sem pertencer ao bando— aprovando seus métodos.

Depois de uma ação inicial bem sucedida, na troca de uns embrulhos (pp. 45-55), há a experiência do que seja a sociedade: é a do Carrossel japonês que  pertence a Nhozinho França, que contrata Sem Pernas e Volta Seca para trabalharem. O Padre José Pedro quer levar os Capitães de Areia para Deus e faz amizade com eles. O povo os despreza, o padre os defende. O Carrossel é a ilusão dos meninos: montados naqueles cavalos de pau lembram, especialmente Volta Seca, de Lampião, os que lutam com armas na mão contra a polícia e matam...

Pedro Bala vai às docas e lá fica sabendo que seu pai, Raimundo, era um carregador do Porto que fazia greves e morreu baleado; Pedro quer ser como seu pai... À noite vai ao candomblé de Omulu e lá ouve falar de que os pobres, um dia, vão se vingar dos ricos, porque os pobres não têm o que comer (pp. 73-83). A mãe-de-santo Don'Aninha recorre ao bando para recuperar a estátua de Ogum que a polícia levou numa batida. Pedro Bala recupera a estátua por meio de um estratagema habilidoso e começa a sentir raiva da polícia e dos ricos. Não acredita que seja justo, como dizia o Pe. José Pedro, que os "pobres vão para o céu, onde Deus seria igual para todos" (p. 85).

Pirulito "rouba" uma imagem da Imaculada Conceição com o Menino Jesus nos braços. Há um contraste entre o Deus bom que o Pe. José Pedro lhe ensinou a ver e o Deus justiceiro, que lhe mete medo, de que ouviu falar a um frade. Pedro Bala começa a se convencer de que só a revolução eliminaria a diferença entre pobres e ricos (p. 98). O padre, inclusive, já não tem tanta fé em Deus e começa a pensar que o mal está na sociedade mal organizada...

Sem Pernas, tipo rancoroso e infeliz pelo seu defeito físico, odeia tudo e a todos. Descarregará esse seu recalque sobre os ricos, arquitetando um plano para roubar uma casa de um casal rico e sem filhos. Sem Pernas faz-se passar por um filho sem pais, abandonado, para conquistar a confiança do casal. Mais tarde dará todas as informações ao Pedro Bala sobre a situaçao da casa. Mas o fato é que, com o passar dos dias, percebe que o casal o trata bem e que só quer substituir nele o carinho que ficou frustrado pela morte prematura do único filho que possuíam. O garoto entra em conflito consigo mesmo: respeitar a lei dos Capitães de Areia ou a lei que encontra naquela casa. Resolve voltar para o seu grupo para não ser traidor, mas não o faz sem tristeza, porque finalmente tinha encontrado gente boa nesta vida.

O Professor —que sabe desenhar e ganha a vida desenhando nas calçadas de Salvador— teve uma oportunidade para deixar de ser ladrão, coisa que aliás todos, ou a maioria deles teve. Mas acha que não tem jeito mesmo, "... do meio da gente só pode sair ladrão... Quem é que quer saber da gente? gritava com ódio" (p. 124).

Numa epidemia de varíola —o alastrim— surge novamente a acusação dos males da riqueza: os ricos da cidade alta têm vacina; mas o pobres não a têm e todos morrerão no lazareto. Do bando morre Almiro. Boa Vida, depois de tentar a recuperação internando-se lá, resolve voltar para o trapiche, pois no lazareto não fazem senão enterrar os desgraçados sem tentar curá-los. O padre José Pedro é acusado de comunista por tentar ajudar os meninos e começa a hesitar se está na vocação certa. (Faz um retrato maldoso da Igreja, insinuando que, por querer que se cumpra a lei, está do lado dos poderosos) (pp. 125-141).

Na página 142, sob o título "Destino", o Autor vai fazendo chegar à conclusão de que todas as misérias, todas as desgraças dos pobres só acabarão com uma mudança: a revolução! João de Adão é o carregador do Porto que fará Pedro Bala entender que um dia as coisas terão de mudar...

As vinte páginas seguintes serão dedicadas a explicar como o bando conhece Dora, uma menina órfa de pai e mãe, pobre como eles, que vaga pelas ruas, com seu irmãozinho, buscando trabalho. Experimenta também a infelicidade porque os ricos não a ajudam, visto que sua mãe morreu ao contrair a bexiga (varíola). Ao levarem-na para o trapiche, primeiro querem aproveitar-se dela, mas depois, Pedro Bala e João Grande a protegem, e todos, aos poucos, acabam considerando-a como sua mãe, especialmente pelos pequenos serviços que ela lhes presta. Dora, por sua vez, acaba gostando de Pedro Bala e, inclusive aderindo à vida dos malandros, participando de suas vidas e de seus assaltos.

Eis que num dos seus inúmeros assaltos, o líder Pedro Bala é preso e Dora também. Ele será levado para o temido Reformatório e a moça para o Orfanato. Antes de ir para o Reformatório, Pedro Bala passa um dia na Delegacia de Polícia, onde é espancado e surrado até não poder mais, porque querem saber onde é o esconderijo do bando. Depois disso, receberá sempre um tratamento semelhante, mas nada diz para não trair seus companheiros. Depois de passar oito dias na solitária, é mandado para um canavial trabalhar. Um dia, ajudado pelos seus amigos, consegue fugir, não sem antes ter conseguido alimentar um ódio e uma sede de vingança como desejo de matar o diretor do Reformatório.

Quando volta ao trapiche, seu esconderijo, encontra seus amigos e o Padre José Pedro, felizes pela sua fuga. Pedro Bala agora já conhecia a razão para as greves de que João Adão —e no passado seu pai— falava: a liberdade. Jorge Amado apresenta nesta obra um particular conceito de liberdade: andar livre pelas ruas, fazer o que bem entende, roubar, matar, deixando a culpa á sociedade. A prova está em que, quando Dora é libertada do Orfanato, está acometida de uma forte febre a que não resiste e morre. Antes de morrer, no entanto, "casa-se" com Pedro Bala.

Pirulito chama o Padre José Pedro, mas quando ele chega já é tarde demais e segundo o Padre José Pedro ela "vai para o céu" pois não tinha pecado. Não sabia o que era pecado..."(!) (p. 193). Ou seja, que roubar, assaltar, etc. não era pecado, agindo assim se "defendiam" da sociedade e além do mais, eram livres para fazerem tudo o que quisessem!

"Vocações" é o título do capítulo no qual o Autor descreve como, aos poucos, os membros desse bando —à medida que vão crescendo— tomam caminhos aparentemente distintos, mesmo que viciados pelos erros do passado. O desânimo é grande porque agora já não têm Dora: o trapiche já não é o mesmo, nota-se a sua falta. O Professor, desenhista, consegue um trabalho no Rio; Pirulito realiza o seu sonho: com ajuda do Pe. José Pedro torna-se frade; o próprio padre é enviado para o interior do sertão da terra de Lampião. O Sem Pernas continua com o Pedro Bala, ainda por algum tempo roubando as casas dos ricos. O Boa Vida é mais um malandro para a cidade. O Gato vai para Ilhéus, com Dalva, sua amante, para especular com as terras dos outros. Mas na verdade, só Pedro Bala não sabe ainda o que fazer. Não sente atrativo pela vida de nenhum dos seus amigos, só mesmo da de João de Adão, o carregador portuário comunista (p. 212). Na verdade, Pedro Bala vai ouvir falar muito de Volta Seca: era filho de um sertanejo e da comadre do Capitão Virgulino Ferreira, o Lampião, e decide assim juntar-se a este guerrilheiro do sertão; o Lampião, e isto por uma razão: vai fugindo da polícia que o espancou na prisão porque foi pego roubando a carteira de um comerciante. Odeia a polícia e quer vingar-se dela, bem como dos fazendeiros ricos que roubaram a terra que sua mãe tinha antes de morrer. Quer vingar-se de todos, tem sede de matança. Logo na primeira ocasião que se encontra com seu padrinho, consegue dele uma espingarda e mata a sangue frio dois policiais! No fundo realiza aquele seu sonho que a sua imaginação criou no velho carrossel japonês.

Do Sem Pernas é preciso acrescentar que, depois de mais um de seus roubos, vê-se encurralado pela polícia que o vai prender, mas não quer mais que aconteça como das outras vezes em que o surrava até deixá-lo meio morto. "Sem Pernas estava cheio de ódio. Odiava a cidade, a vida, os homens" (p. 217), amava unicamente o seu ódio, e isto o fazia forte. Mas não forte para se defender, mas para que no instante em que quase o agarram, tenha a coragem de dar um pulo no vazio e dar cabo da sua vida!

Já no final do livro (pp. 219-230) descreve as proezas dos Capitães de Areia: o Professor ganha fama no Rio com os seus quadros; o Gato vai para a prisão por ter vendido terrenos que não existiam; Volta Seca também ficará recluído por 30 anos por ter matado oficialmente 15 pessoas, que na verdade são 60. Pedro Bala, juntamente com João Grande, Brandão e o carregador João de Adão, adere a uma greve de motorneiros de bonde, todos aliciados por um estudante comunista de nome Alberto.

Finalmente os Capitães de Areia, ou o que resta deles, se transformam numa brigada de choque. Pedro Bala já faz parte de uma brigada comunista e ao ser enviado para aliciar os maloqueiros do Sergipe, abandona o trapiche deixando o Brandão como chefe.

 

                                                                                                                S. M. (1982)

 

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