Novamente sobre Supranumerários (Cap. III).- Marypt
Fecha Friday, 18 November 2005
Tema 078. Supernumerarios_as


C) Interferência da obra nas relações íntimas dos casais

1. Ao decidir-me a escrever mais algumas palavras acerca da "vida dos supranumerários" – incentivada pelo texto de Isabel Nath de 7 de Novembro – pensava incluir também este tema mais "melindroso" da existência de intromissões dos directores da obra na vida sexual dos casais, em que ambos ou apenas um deles é supranumerário (ou até simplesmente cooperador).

Sei bem que tudo aquilo que diga respeito a "temas sexuais" desperta uma curiosidade muito grande no comum dos leitores; e creio que não me enganarei se disser que os leitores de "opuslibros" não são aqui excepção. Por isso mesmo quero deixar bem clara a perspectiva que me leva a abordar este assunto: não vou tratar da dotrina moral da Igreja sobre o casamento e vivência da sexualidade, nem muito menos das controvérsias que tal doutrina suscita, designadamente no que respeita aos meios contraceptivos aconselhados e desaconselhados.

Esta problemática que é muito importante e muito complexa ultrapassa as fronteiras dos meus escritos na web, os quais incidem basicamente sobre o fenómeno "opus dei"...



2. Vou procurar portanto dar testemunho daquilo que, pessoalmente e pela observação directa do que se passava com outros casais conhecidos, pude constatar ser a prática habitual dos responsáveis da "obra", prática esta que viola directamente as seguintes indicações morais da própria Igreja:

(i) A importância de que os casais vivam uma "paternidade e maternidade responsáveis", o que implica que consciente e generosamente decidam ao longo da vida o número de filhos que têm possibilidade de ter, tendo em conta os múltiplos factores que condicionam a vida do casal e da família, entre os quais se destacam a saúde da mãe e a capacidade para educar os filhos já nascidos;

(ii) O entendimento de que as decisões nestas matérias devem ser tomadas no seio do casal, em diálogo entre marido e mulher, no qual nada nem ninguém deve interferir; cabe ao casal o direito de, se assim o entender e por sua iniciativa, consultar outras pessoas (médicos, sacerdotes, etc) que possam ajudar a tomar as decisões mais acertadas.

(iii) Todos os demais assuntos e questões das relações íntimas do casal dizem-lhe exclusivamente respeito; apenas marido e mulher poderão solicitar a outras pessoas conselho ou auxílio sobre algum aspecto do seu relacionamento sexual.

3. O "opus dei" não respeita nenhuma destas orientações da Igreja pós-Concílio Vaticano II e rege-se ainda por parâmetros pré-conciliares e por uma mentalidade de associação permanente entre sexo e pecado!

Deste modo, os directores e directoras da obra interrogam periodicamente os supranumerários e supranumerárias na conversa "fraterna" acerca destes temas, pretendendo saber em concreto o que se está a passar entre o casal...

As situações podem variar mas a atitude repete-se:

- Se se trata de um casal jovem ainda sem filhos, dificilmente haverá uma única conversa em que não haja perguntas sobre "quando ficam à espera bébé"; este tipo de interrogatórios só termina quando houver uma resposta afirmativa ou então quando se explicar que existem dificuldades em conceber.

- Se o casal já tem um, dois ou mais filhos, não se pense que as perguntas cessarão. Pode ser que durante algum tempo deixem a supranumerária ou o supranumerário em paz; mas depois, sempre virá a pergunta sacramental: o que estão a fazer neste campo; atenção à imposição moral de ter sempre abertas "as fontes da vida", etc

4. O que é verdadeiramente espantoso é que, em última análise, os membros celibatários da obra – que nada sabem das dificuldades de gerar um filho, de suportar um parto, de amamentar, de criar um recém-nascido, de acompanhar uma criança que pelo menos até aos três anos pode impedir os pais de dormir noites seguidas – considerem "normalíssimo" que os casais de supranumerários tenham um filho por ano!!!

a) Como bem se sabe, alguns casais têm mesmo oito, dez, doze, catorze ou dezasseis filhos! Nas sociedades actuais, sabe-se logo que se tratam de "famílias da opus", tal como sucede por exemplo nos Estados Unidos com as "famílias de mormons"! Este fenómeno era um daqueles que pessoalmente mais me dava a sensação de "pertencer a uma seita"...

b) Naturalmente que entre essas famílias muito numerosas – nas quais geralmente tanto o marido como a mulher são da obra – haverá bastantes que correspondem a um "sentido vocacional" pelo qual o casal se sente amplamente realizado. Mas infelizmente, o facto de se pertencer à obra não constitui por si só garantia de que se tenha simultanemanente "vocação de pai e, sobretudo, de mãe de famílias tão alargadas". E então vivem-se autênticas ficções:

- Ou porque a família dispõe de muitos meios económicos e as crianças são educadas "à século XIX" pelas empregadas e "amas de crianças";

- Ou porque o casal tem meios económicos normais e a mulher e mãe se sacrifica até à exaustão para conseguir orientar um tal exército de filhos;

- Ou porque marido e mulher são "extremamnete descontraídos" e acabam por "sobreviver" descuidando aspectos importantes da vida e educação dos filhos;

- etc, etc.

d) A respeito desta última hipótese – criam-se os filhos em estilo "descuidado" -  tenho presente alguns casos concretos que conheci:

- Um casal com onze filhos, geralmente muito bem vestidos e arranjados, mas que, em termos escolares manifestavam graves dificuldades que os pais não conseguiam ajudar a superar, bem como carências afectivas resultantes de situações insólitas como, por exemplo, a de, com frequência, os pais se esquecerem de ir buscar um dos filhos ou filhas a uma festa de aniversário ou mesmo ao clube da obra depois de a criança ter estado uma semana em actividades fora da cidade....

- Outro casal de supranumerários em que a mãe, por sinal médica de profissão, deixara de trabalhar ao 8º filho e tivera ainda mais dois ou três correndo risco de vida tanto na gravidez como no parto... Além disso, as condições económicas eram muito limitadas pelo que viviam (e penso que ainda vivem) num pequeno apartamento próprio para cerca de quatro ou cinco pessoas...

São vidas onde a fronteira entre o "heroísmo" e o "fanatismo" se esbate!

 

5. Quando só um dos membros do casal é da obra, a situação costuma ser algo diferente porque o outro elemento se opõe a seguir estes exageros. Aliás isso acaba por muitas vezes servir de argumento para aquele que é da obra se "proteger" do ataque cerrado dos directores/as (e eventualmente, do sacerdote), invocando a opinião contrária do marido ou da mulher...

a) Mas nem mesmo assim escapará ao "estilo inquisitivo da obra", porque lhe perguntarão vezes sem conta: Mas então vocês pensam ficar apenas com esses quatro filhos?! Mas tens consciência daquilo que não podes fazer para impedir novas gravidezes! E será que tens claro que o acto sexual deve ser realizado de forma completa para que seja lícito?! E que não se pode procurar directamente o prazer sexual e que é ilícito consentir nesse prazer quando não seja alcançado mediante as tais "relações sexuais completas"?! E que....

b) De vez em quando o sacerdote acrescenta algo na confissão (ou na direcção espiritual) sempre no mesmo sentido, o que agrava muitíssimo o sentimento de culpabilidade porque assim o "assunto" aparece associado às matérias de confissão, ou seja, aos "pecados" contra o 6º Mandamento...

6. Este tema tem no seio da "obra de S. Gabriel" vários desenvolvimentos que ainda não referi:

a) Um muito curioso e com uma elevada dose de risco, é o fenómeno dos nascimentos tardios; trata-se de casais ou de mulheres que conhecem a obra por volta dos 40 anos, que já têm a uma família formada por dois, três ou mais filhos bem crescidos... e que, fruto da influência dos directores, acabam por conceber mais uma ou duas crianças, que nascem com intervalo de dez a quinze anos em relação aos demais filhos...

b) Nestas situações, como aliás em todas aquelas em que a mãe já não é jovem, a posição oficial da obra é de "total insensibilidade para os riscos de nascimento de uma criança deficiente, bem como para os riscos que atingem a própria mãe...". Os princípios são aqui absolutos, não se podem adaptar às situações concretas! E então, por vezes, surgem situações dramáticas:

- Uma supranumerária que com nove filhos teve um filho com Trisomia 21; e depois ainda voltou a ficar grávida e passou os nove meses de gravidez em pranto pela elevada probabilidade de voltar a ter uma criança deficiente... o que se confirmou! Todas as pessoas da obra, diziam: "É uma santa, Deus a recompensará!" Nenhuma directora se questionou se as suas posições tão "inflexíveis" não teriam conduzido a uma tal situação, nem muito menos como é que esse casal iriria passar a viver com onze filhos em casa, dois dos quais deficientes e com necessidade de apoios especiais!

- Uma supranumerária minha amiga que vive do outro lado do Atlântico, telefonou-me um dia a chorar porque soube que estava grávida pela quinta vez. Não é que não adore os seus filhos, mas, no local onde vive, a vida de uma mãe de quatro filhos já é muito difícil: a família está a milhares de quilómetros; não existem "empregadas" domésticas, não há jardins infantis antes dos 3 anos de idade (e até mesmo nesta idade, os que existem funcionam a tempo parcial); e o marido poucas hipóteses tem de a ajudar em casa porque vivem de um só salário e por isso ele tem de "reforçar" a sua dedicação no trabalho para poder sustentar uma família numerosa!

(continuará)

Marypt

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