Como a Obra faz sofrer as famílias (II).- Marypt
Fecha Sunday, 06 March 2005
Tema 030. Adolescentes y jóvenes


II - A contradição nas relações entre irmãos "de sangue" que pertencem à Obra

1. Não sei se este assunto já foi alguma vez tratado na web: o tipo de relações que se estabelecem entre irmãos "de sangue" que simultaneamente pertencem à Obra, como me aconteceu comigo e com a minha irmã.

Claro que não se podem fazer generalizações a todos os casos a partir da minha experiência pessoal; mas penso que devem existir bastantes semelhanças...




  • Antes de mais, essas semelhanças resultam da vigência da regra da não comunicação íntima entre membros da Obra (tão bem explicada no recente escrito de Elías);

  • Esta regra também se aplica a pessoas que são parentes entre si, tornando as relações entre elas algo estranhas e artificiais;

  • Na prática tem se fingir que não nos conhecemos tão bem como de facto nos conhecemos; que não temos uma história comum que de facto temos;

  • Isto é o que se passava quando estávamos juntas num ambiente da Obra; mas sucedia também o inverso: estarmos juntas no ambiente da família. Aí parece que podíamos ser mais naturais, mais "nós próprias"; mas só até certo ponto, porque nos sentíamos como que a vigiar-nos uma à outra. Pelo menos, eu sentia-me vigiada pela minha irmã: Será que disse alguma coisa inconveniente? Será que está a reparar se eu tenho um perfil correcto enquanto membro do Opus Dei?

2. Tudo isto retira naturalidade e espontaneidade. Somos irmãs duplamente, mas não se sabe qual dos dois tipos de fraternidade deve prevalecer, porque as regras são diferentes para a fraternidade natural e para a fraternidade espiritual.

Era ainda mais complexo: em boa verdade, para a minha irmã numerária a "fraternidade espiritual" deveria prevalecer; para mim, a fraternidade natural mais do que prevalecia, era a única que eu sabia viver com a minha irmã…

Mas, como para viver uma relação são necessárias duas pessoas sintonizadas na mesma onda, então – como disse no meu texto de 27/02/05 - na prática eu tinha perdido a minha irmã desde o dia em que ela apitara.

3. As circunstâncias da vida encarregaram-se de confirmar esta percepção por vezes de forma muito dolorosa: em quase todos os momentos importantes da minha vida pessoal, tive de suportar algum "espinho cravado" pela minha irmã. Na cerimónia de fim do meu curso não pôde estar presente porque estava muito ocupada com qualquer coisa da Obra; no dia em que a minha família e a família do meu noivo se conheceram, ela estava a poucos quilómetros de distância, mas não podia interromper o curso anual para se juntar a nós; numa festa para a qual lhe pedi emprestada uma peça de roupa porque não conseguia encontrar nas lojas aquilo de que precisava, declarou-me – depois de consultar a directora – que não o podia fazer "porque nada do que tinha lhe pertencia", etc, etc.

Além disso, tinha o cuidado de me recordar que – sendo também eu da Obra – devia compreender melhor do que ninguém as especificidades da sua vocação e ser a primeira a não levantar problemas. E eu assim procurava fazer, mas muitas vezes magoada até ao mais fundo de mim mesma, porque o "desprendimento" que era suposto que a minha irmã vivesse em relação à família de sangue a levava a comportamentos de total insensibilidade. O mais cruel desses comportamentos foi o facto de, por ocasião do nascimento do meu primeiro filho – e vivendo na mesma cidade – ter sido a única pessoa próxima que não me foi visitar à maternidade; com a seguinte agravante: telefonou-me, disse-me que tinha passado perto, mas que não tinha tido tempo de entrar e que viria a minha casa quando pudesse… O que sucedeu apenas quase duas semanas depois!

A minha tristeza foi muito profunda: como era possível que a minha própria irmã não percebesse que eu estava a viver um dos momentos mais importantes da vida, o nascimento do primeiro filho?! E que me aparecesse em casa como se tratasse apenas de ver a nova decoração da sala ou as fotografias de uma viagem?!

Ah! E para mais, era suposto que eu fizesse "boa cara" e não mostrasse ao meu marido e, sobretudo aos nossos pais, o, meu desapontamento.

Com o passar do tempo, perdoei-lhe esta atitude inconcebível, não porque se tivesse arrependido, mas porque me apercebi tristemente de que ela se tinha tornado incapaz de entender os sentimentos mais naturais das pessoas!

4. Muitas vezes me preocupei, e continuo a preocupar, como pode a minha irmã realizar "trabalho de S. Gabriel", atender supranumerárias casadas e com filhos, dar-lhes conselhos de vida espiritual e indicações de toda a ordem… se ela não entende a vida familiar dos próprios irmãos!

Nos encontros de família eram frequentes as discussões a propósito de múltiplos assuntos, com mais ou menos importância:

  • Pode ou não frequentar-se a praia x;

  • Pode ou não ver-se o filme y ou ler o livro z;

  • Etc etc

Tornava-se ridículo porque – sendo eu e a generalidade dos membros da nossa família católicos coerentes com a fé cristã – a defesa da ortodoxia por ela feita soava a falso, a quem não tinha experiência real da vida, antes repetia fórmulas que aprendera na vida de imersão que levava na Obra.

Muitas vezes pensava para comigo: quando será que começa a pensar com a sua própria cabeça?

5. Paradoxalmente, parecia que as maiores discussões se davam precisamente comigo. Penso que a justificação residia no facto de, no fundo, entender que eu devia ser a última pessoa que podia discordar da sua opinião dogmática E então quando o tema da conversa incidia sobre casamento, filhos, educação…

Não se pense que discutíamos questões complexas como o divórcio, o controle de natalidade ou afins. Nada disso! Apenas surgia, por exemplo, uma conversa na qual se falava de uma pessoa conhecida que tinha dificuldades em engravidar. Se eu dissesse:

  • Pois, ter o primeiro filho com mais de 40 anos não é fácil. E, além disso, correm-se mais riscos…

Tinha como resposta da minha irmã:

  • Quais riscos?

Explicava eu:

  • Bem, como deves saber, há mais riscos para a mãe e sobretudo riscos de se ter uma criança deficiente

Surgia a resposta radical da "dona da verdade":

  • Não vejo qual é o problema; se a mãe morrer vai direita para o céu pois morre por uma causa nobre; e se a criança for deficiente deve-se aceitar como uma benção de Deus!

Nessa altura, eu perdia a paciência e dizia-lhe: esses são princípios morais abstractos; mas que em nada resolvem o sofrimento concreto das pessoas. Se me sucedesse algo assim (ter um filho deficiente) pediria a Deus que me ajudasse a aceitar a situação. Mas tu não podes sequer imaginar a dor dos pais de uma criança deficiente!

Enfim, em vez de uma irmã, tinha uma "cartilha moral ambulante"!!!

6. Curiosamente, depois de eu deixar a Obra tornou-se mais compreensiva e tolerante. Parece que passou a encarar-me como sendo sua irmã "de carne e osso" e não uma "irmã espiritual" como os demais membros da Obra.

É certo que também com o passar dos anos se aproximou mais da família "de sangue": dos pais, irmãos, sobrinhos, tios e outros parentes. Mas para tal foi decisivo que – por motivos profissionais – tivesse continuado a viver na mesma cidade. Muitas outras famílias com filhos numerários/as não tiveram a mesma sorte: os filhos ou filhas foram enviados para outras cidades ou mesmo para outros países; e então, todos os motivos são bons… para não visitar a família; ou, ainda pior, para não estar disponível para receber a família que se deslocou de propósito para o/a ver. São inúmeros os relatos de sofrimento de pais de amigas minhas. Um caso real: "fomos a Castelgandolfo para a podermos ver ao fim dos dois anos em que está no Colégio Romano e só a "libertaram" o tempo suficiente para almoçar connosco. Depois, regressámos a Roma e voltámos para Portugal!"

Este conflito acerca do tempo de que os numerários/numerárias dispõem para dedicar às suas famílias é um dos principais motivos de conflito que permanece ao longo de anos e anos:

  • A respeito da noite e do dia de Natal;

  • A propósito do dia do Pai que entre nós se festeja… no dia de S. José, ou seja, 19 de Março;

  • Nos dias dos aniversários dos pais;

E claro, os conflitos causados pela recusa em participarem nas festas de família: antes de mais, nos casamentos, festas "perigosíssimas" onde a vocação celibatária pode ser fortemente abalada só por se olhar para os noivos encantados um com o outro. Mas também os simples baptizados dos sobrinhos ou comemorações de um evento académico, ou… qualquer outra circunstância "normal" de uma "família normal" de pessoas "normais" que vivem no "mundo normal"!

Acima de tudo, aquilo que – até hoje – ainda não consegui aceitar, não foram tanto as decisões da minha irmã de não estar presente, ou de ser a última a chegar e a primeira a sair… O que mais magoa, é a atitude de distanciamento, de frieza, com que isso é feito. Não conheço qualquer outra entidade sem ser o O.D. que faça com que os seus membros se comportem para com as próprias famílias num paradoxo afectivo: fazem-nos sempre um enorme favor em participar nos nossos eventos familiares, pelo que lhes devemos estar muito agradecidos, porque, pela sua atitude, mostram bem que não têm quaisquer saudades de nós; só nós, pobres de espírito, sentimos saudades deles. Este padrão repete-se com uma semelhança assustadora de família para família!

Naturalmente que, ao fim de tantos anos, já não é a minha irmã que eu culpabilizo, mas apenas a Obra: Que esforço não terá a minha irmã de ter feito para adquirir esta "carapaça" de indiferença que não lhe permite mostrar sentimentos? Que técnicas de "esvaziamento da mente e do coração" terá a Obra utilizado para que alguém que nasceu e viveu no seio de uma família maravilhosa, se comporte como "pessoa estranha" que veio de visita?

7. Quando soube que eu não iria renovar a pertença à Obra num 19 de Março já longínquo… a minha irmã, pela primeira vez em muitos anos, mostrou os seus sentimentos de grande tristeza e desapontamento. Ela chorou por causa disso e eu chorei por causa dela! E sofri por saber que não era possível que ela entendesse que a minha decisão fora tomada com toda a liberdade e serenidade, seguindo a minha consciência e apoiando-me na força da fé em Deus!

E, ao sentir um enorme alívio por deixar o O.D., tive de suportar mais este "espinho": a incompreensão da minha irmã! Ao mesmo tempo que estava segura de ter tomado a decisão correcta, revoltava-me mais uma vez contra a instituição que – não se limitara a "roubar-me" a irmã antes de completada a sua infância – como ainda lhe fizera uma "tal lavagem ao cérebro" que, genuinamente, ela considerava que sair da Obra era um acto gravíssimo… porventura mais grave do que perder a fé!!! E assim, a mesma instituição me "roubou" novamente o afecto da minha irmã!

Com tempo, com paciência, com oração confiante a Deus que pode curar todos os corações feridos… as nossas relações fraternas têm vindo a melhorar. Tenho esperança em que chegará o dia em que o O.D. deixará de ser um obstáculo entre nós e voltaremos a ser apenas nós próprias, juntas, diante de Deus, nosso Pai!

Marypt



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