"No creo en la santidad sin oración, aunque no se trate necesariamente de largos momentos o de sentimientos intensos." Papa Francisco, exortação Gaudete et exsultate n. 147. ler em vatican.va.
"¿Santo, sin oración?... - No creo en esa santidad." Escrivá, Camino n. 107.
Não sei se o papa Francisco pretendeu conscientemente fazer uma citação de Escrivá. Se ele pretendeu, pode ter sido um modo informal de fazer com que as pessoas ligadas a Opus Dei, ao lerem a exortação, se sentissem acolhidas pelo papa, mesmo sem uma remissão explícita a Escrivá [1]...
A doutrina de Camino n. 107 não tem nenhuma novidade. A Opus Dei dá como "paralelo" a Haerent Animo, de Pio X. Mas há muitas outras fontes possíveis nas circunstâncias de Escrivá. Seguem exemplos.
- "lo mismo ordinariamente es despedirse de la oracion, que despedirse de la santidad". Isso está no Tratado de Oracion Mental de Vicente Ferrer, um religioso da Congregação da Missão da Casa de Barcelona, que ilustrou a doutrina com muitas citações de santos ler em google books a edição de 1863.
- "Porque es imposible, hermanos mios, sin oracion, alcanzar nuestra santificacion". José Ignacio Victor Eyzaguirre, Instrucciones para sacerdotes, 1875 ler em google books.
A doutrina de Camino 107 não é própria de Escrivá, mas a redação talvez seja. Essa redação usa uma linguagem sem um escrúpulo intelectualista, e mais próxima da linguagem corrente, do mundo. Escrivá pode ter treinado essa linguagem lendo romances ou peças de teatro. Essa possibilidade transparece com mais nitidez quando se lêem exemplos de uso da expressão vocação matrimonial (usada em Camino n. 27 ler em escrivaobras).
- "Estoy convencido de que tu vocación matrimonial es irrevocable, y no quiero seguir dándote broma sobre este asunto". Antonio Flores, Fe, esperanza y caridad: novela de costumbres, 1864 ler em google books.
- "Tacaños, desconfiados hasta de sí mismos en asuntos de intereses, y faltos de carácter varonil, suelen ser poco estimados por las mujeres. Nacen con vocacion matrimonial y se casan más por economía y egoismo que por amor, de cuyo alto y noble afecto son á menudo incapaces." Manuel Fernández Juncos, Varias cosas: colección de artículos, narraciones, sátiras y juicios literarios, 1884, p. 80 ler em google books.
- "En vano es negarlo ya; todo lo he oido; tu tienes vocacion matrimonial" C. G. Doncél e L. Valladares y Garriga, Las travesuras de Juana : comedia en cuatro actos, 1857, p. 28 ler em archive.org
Houve ao menos mais um caso onde o papa Francisco aparentemente destacou um ensinamento de Escrivá que na verdade é uma doutrina ensinada por todos. Em 2013, a Opus Dei disse que o papa Francisco "evocou" Escrivá como precursor do Concílio Vaticano II. Segundo o boletim Romana, trata-se de uma carta de Pietro Parolin. A tradução feita pela Opus Dei diz "el precioso ejemplo de la vida sacerdotal del santo Fundador, precursor del Concilio Vaticano II al proponer la llamada universal a la santidad" ler em romana.org.
Armando Bandera no seu esboço histórico da doutrina da chamada universal a santidade diz "creo no exagerar diciendo que en las décadas de los cuarenta y de los cincuenta existe ya en toda la Iglesia una conciencia explícita y clara de que todo cristiano está llamado a la santidad", texto do livro La vida religiosa en el misterio de la Iglesia, BAC 456, 1984, p. 211 (os destaques em cursiva são de Armando Bandera). E a nota 41 da p. 212 esclarece que não se tratava apenas de uma consciência, porque os papas já haviam formulado a doutrina, e menciona a Rerum Omnium de 1923 do seguinte modo: "después de citar las palabras evangélicas sed perfectos, como vuestro Padre celestial es perfecto (Mt 5,48), añade: «Nadie piense que esto es cosa reservada a unos pocos muy escogidos y que a los demás les está permitido quedarse en un grado inferior de virtud. Esta ley obliga a todos absolutamente, sin exceptuar uno solo»" (Camino n. 291 ler em escrivaobras tem uma redação muito próxima desse texto da Rerum Omnium).
Notas
[1] Escrivá mencionou diversas doutrinas sem dar a fonte próxima, inclusive algumas ligadas aos jesuítas. Por exemplo que o amor se deve por mais nas obras que nas palavras, dos Exercícios espirituais n. 230 ler em google books edição antiga sem numeração (Escrivá diz Obras son amores y no buenas razones Camino n. 933 ler em escrivaobras). Ou ainda o hacer bien las obras, que Bourdaloue (1632—1704) explicou com estas palavras "nó basta hacer las cosas que son de nuestro estado, de nuestra vocacion y de nuestro empleo: es necesario hacerlas bien, de manera que se pueda decir de nosotros con proporcion, lo que se decia del Hijo de Dios: Hizo bien todas las cosas (Mc 7,37) ler em Google Books (cf. Es Cristo que pasa n. 16, ler em escrivaobras.org, cf. Conversaciones n. 10 ler em escrivaobras.org, cf. expressão trabajar bien, que Escrivá usou em Conversaciones n. 27 ler em escrivaobras.org e Es Cristo que pasa n. 50 ler em escrivaobras.org).
