A influência da oração sobre o trabalho na Opus Dei

Na primeira parte desta Breve história da santificação do trabalho, eu apresentei algumas ascéticas modernas do trabalho. Nesta segunda parte eu tomarei o ponto de vista das máximas "o trabalho é oração" e "o trabalho santifica". A primeira delas aparece muitas vezes na forma verbal "quem trabalha, ora". A segunda é decorrência lógica da primeira, uma vez que a oração é meio de santificação. Essas máximas relacionam-se com a santificação do trabalho, mas não se confundem com ela. A importância delas é propor eixos para a relação entre religião e mundo. Mas elas podem fazer isso de modos diversos, porque têm múltiplos sentidos e usos.

Essas duas máximas aparecem geralmente como piedade, ou então como cultura. Por isso, ao abordá-las, é importante ter presente aspectos psicológicos e comportamentais. As seções 4, 5 e 6 apresentam controvérsias dessas máximas nos séculos XVIII e XIX, em relação com a Revolução Francesa e o naturalismo. Na seção 7 eu proponho uma explicação para o papel da máxima "o trabalho é oração" no livro Caminho de Escrivá. O título deste artigo (influência da oração sobre o trabalho) é uma síntese da seção 7. A seção 8, sobre o uso que Escrivá fez da auto-ajuda, é um apêndice da seção 7.

A quem se interessar por esses meus escritos, sugiro ler outros dois. O primeiro é de Dasmacio ler em Opuslibros. Concordo com a crítica que ele fez do meu método, que é sujeito a vários tipos de falhas, embora eu me esforço para evitá-las. Por isso também eu ilustrarei com um exemplo a fraqueza de uma dependência da busca de palavras. A busca exata de "santificação do trabalho" nos textos do Concílio Vaticano II perderia a seguinte ocorrência: "É Ele quem abençoa o pão da humanidade, quem santifica o seu trabalho e o seu sofrimento". Ela encontra-se na mensagem aos governantes ler em vatican.va. Não se trata de um documento votado pelos padres conciliares, mas ela foi lida na Praça de São Pedro, e foi entregue por Paulo VI ao embaixador da Bélgica. Sobre Calvino e Franklin, que Dasmacio recomendou, eu ainda não consegui examiná-los. Mas comparei Escrivá com Samuel Smiles (ver seção n. 8 abaixo). Segundo a Wikipedia, Smiles não praticava a religião, mas sua família presbiteriana (um ramo calvinista) deu a ele educação religiosa.

O segundo escrito é de Rescatado ler em Opuslibros, que me repassou a recomendação de um livro de Anselm Grun. Por enquanto examinei apenas o índice e o prólogo ler em edesclee.com. Apreciei que esse livro discute logo no início o que é trabalho. A encíclica Laborem exercens traz uma definição de trabalho (trabalho é "toda a atividade humana que se pode e deve reconhecer como trabalho"). Embora seja apenas indireta, o fato de incluí-la foi um modo do papa indicar a necessidade de conceituar o que é o trabalho. Isso se aplica inclusive a Escrivá, uma vez que o epílogo do livro La santificación del trabajo de Illanes ressalta em Escrivá um entendimento do trabalho como trabalho profissional ("ante todo, que el Beato Josemaría habla no solo de trabajo, sino de trabajo ejercido en el mundo y por personas que son del mundo. En otras palabras, de trabajo profesional"), mas isso nem sempre coaduna com o que se lê nos livros de Escrivá (veja o que digo abaixo sobre competências). Rescatado também ofereceu um índice do livro que está escrevendo. Ao examinar esse índice, eu pensei em como eu também tentei abrir mais o leque de temas, mas não consegui. Tive que limitar-me a pontos específicos. Mas ao escrever lembrei daquele índice de Rescatado, e isso induziu-me nesta segunda parte a arriscar mais opiniões.

4. A disseminação do "trabalho é oração" por leigos no século XVIII

O ponto n. 335 do livro Caminho diz que «Una hora de estudio, para un apóstol moderno, es una hora de oración». Burkhart e López escrevem que esse ponto 335 «No dice que una hora de estudio sea una hora de oración, sino "para un apóstol moderno", que es un modo de referirse a quien desea que su vida esté presidida por el amor a Cristo y el deseo de corredimir con Él» (Vida cotidiana y santidad t. 1 p. 310).

O fato de Burkhart e López não explicarem o estranho adjetivo "moderno" é já um sinal de que no ponto 335 existe alguma coisa complexa que eles evitaram tocar. Um leitor que não adentre nessa complexidade provavelmente assumirá o sentido mais espontâneo de que o ponto 335 é um modo poético de afirmar que o trabalho é oração. E Escrivá sabia disso. Eu acrescentei em nota uma explicação sumária do outro sentido mais elaborado [17], mas isso não exclui o sentido mais espontâneo, com o qual Escrivá também contou.

A ressalva de Burkhart e López, que restringe o ponto 335 a "quien desea que su vida esté presidida por el amor a Cristo", é uma tentativa de excluir a interpretação literal da máxima "o trabalho é oração", a fim de alinhar Escrivá com outros autores que fizeram o mesmo [18]. O sentido literal (que corresponde a entender que qualquer trabalho é oração automaticamente), é raro na linguagem escrita. Mas alguns textos que darei nas seções 5 e 6 sugerem que o sentido literal pode ter sido comum na linguagem falada.

As primeiras ocorrências modernas [19] que encontrei das duas máximas estão em escritos de leigos do início do século XVIII. Em 1710, a revista Mercure Galant, num longo elogio ao dramaturgo Thomas Corneille (1625-1709), diz que «Nenhum homem teve mais religião», e que Thomas via a morte aproximar-se «sem, no entanto, cessar seu trabalho que era necessário para ele, porque os homens de letras não são normalmente os mais favorecidos pela fortuna, e isso diz a Escritura, QUI LABORAT ORAT, quem trabalha, ora». Ler em francês em sorbonne-universite.site (clique o segundo item da lista). Ler o fac-símile em francês em google books. A Mercure Galant era uma revista de literatura e vida na corte (Wikipedia). É considerada a primeira revista de moda que existiu ler em português em lunelli.com.br. A redação da Mercure Galant era então do escritor Jean Donneau de Visé (1638-1710), que desistiu da carreira eclesiástica para casar ler em Dictionnaire des journalistes.

No caso da máxima "o trabalho santifica", a primeira ocorrência que encontrei está no elogio a são Domingos publicado em 1703 por Jean Richard (1638-1719), também conhecido como Richard l'avocat. Ele diz que um ministro do evangelho é um operário, e que "deve, portanto, ser o operário irrepreensível de que fala o apóstolo (cf. 2Tm 2,15), que se sacrifica pelo seu trabalho, e que seu trabalho santifica" ler em francês em google books. Embora Paulo esteja falando de um evangelizador e não de um operário, a linguagem de Jean Richard não é escrupulosa [20]. Por isso eu penso que ele pretendeu com essa explicação levar os operários a concluir que, se trabalharem com dedicação, estarão santificando. Jean Richard foi um advogado casado. Publicou diversos volumes de sermões que nunca leu publicamente. Nos facsímiles desses volumes eu não encontrei nome de autor, mas a autoria pode ser confirmada na edição posterior de Migne, no Dictionnaire historique des auteurs ecclésiastiques, ou na Biblioteca Nacional da França.

Por que essa promoção edificante das virtudes do trabalho, através das duas máximas, foi feita por leigos? Por que a máxima "o trabalho é oração" não aparece nos autores clérigos que mencionei na primeira parte desta breve história, e que nos séculos XVII e XVIII ensinaram a santificar o trabalho? Eu penso que a resposta para essas perguntas é que a catequese oficial da Igreja preferiu outra pedagogia. Porque seria impossível disseminar essas máximas sem que isso levasse as pessoas a usá-las espontaneamente no sentido literal. E isso geraria confusão doutrinal. Talvez por isso Jean Richard e Jean Donneau de Visé não se preocuparam muito em alertar contra sentidos literais. Ao invés disso, apenas elogiaram a dedicação ao trabalho. Uma segunda possível resposta é que pode ter sido usada nessa disseminação uma retórica que exporia um clérigo a sanções. Por exemplo a Mercure Galant sugere que "o trabalho é oração" é doutrina bíblica [21] (outros a atribuirão a santo Agostinho).

5. "O trabalho é oração" como marketing político no século XVIII

Segundo a Wikipedia em francês, a Mercure Galant tinha um privilégio real (ler na Wikipedia), e seu diretor, entre outros benefícios, recebia uma pensão (ler na Wikipedia). O Dictionnaire des journalistes acima linkado explica que o valor dessa pensão era alto. Isso leva a indagar se a iniciativa que vimos na seção anterior para disseminar a máxima "o trabalho é oração" não teria sido uma campanha do rei Luis XIV. E não é difícil entender a conveniência disso, se lembrarmos do apoio que a religião proporcionou, no século XVII, para fortalecer a indústria e a economia (veja a seção n. 1 desta Breve história).

Mas além da economia, havia também outra razão que tornava conveniente disseminar essas máximas. Porque quando se afirma, literalmente, que o trabalho é oração, as pessoas responsáveis pela criação ou preservação de vagas de trabalho adquirem influência religiosa, uma vez que se tornam capazes de abrir ou fechar a fonte da oração. Por isso a disseminação da máxima "o trabalho é oração" seria um modo de fortalecer o rei. E com a vantagem de não necessitar teologia. Porque na sua literalidade, essa máxima podia sustentar-se psicologicamente com o orgulho honesto que o trabalhador tinha do seu ofício.

Há um sinal desse uso político da máxima "o trabalho é oração" no fato dela ter sido destacada, juntamente com "o trabalho santifica", pelas críticas contra as práticas religiosas nos anos que antecederam a revolução francesa. Porque isso pressupõe alguma insatisfação já existente. Daí os propagandistas terem exposto as máximas, a fim de inverter o sentido com que costumavam ser usadas. Vejamos duas dessas críticas.

Esse argumento de Voltaire permanece sendo repetido até hoje. Entre os comentários de uma notícia de 2018 de Infocatolica, sobre a restrição do comércio aos domingos na Polônia, há uma crítica que dá como justificativa "El trabajo nos santifica" ler em infocatolica.com. Em Escrivá também há aproximações com Voltaire. Assim Camino 357 "el descanso no es no hacer nada: es distraernos en actividades que exigen menos esfuerzo", parece uma tentativa de ironizar o cura de aldeia Teótimo, personagem de Voltaire que é medico também de corpos [22].

6. A rejeição do "trabalho é oração" no século XIX

Eu mencionei na seção 4 que diversos autores católicos usaram a máxima "o trabalho é oração" de modos que evitavam seu entendimento literal. No século XIX entretanto houve entre os autores católicos franceses uma atitude mais radical, de oposição explícita contra essa máxima. Vejamos dois exemplos.

A recusa católica dessa máxima foi confirmada pelos ateus. André-Saturnin Morin (1807–1888) publicou em 1862 que «O bom senso popular proclama "quem trabalha, reza"; Este ditado, inspirado por uma sabedoria requintada, é repelido pela Igreja como mal sonante e ditado pela incredulidade.» ler em francês em google books. Morin acrescenta em seguida que a máxima inspirada pela vida devota é a inversa, isto é, "quem reza, trabalha". Provavelmente ele está se referindo ao fato dos beneditinos chamarem a oração de "opus Dei", isto é, "trabalho de Deus". De fato, nas buscas que fiz eu não encontrei a máxima "o trabalho é oração" muitas vezes, em escritos de monges.

O que Morin quis dizer com "sabedoria requintada"? O fato dele ser ateu leva a presumir que ele entendeu a máxima "o trabalho é oração" num sentido naturalista. Ou seja, para ele a realidade sobrenatural da oração é ilusória, e portanto dizer que o trabalho é oração seria um modo poético de se referir ao valor natural que o trabalho tem para a vida humana. Esse entendimento se confirma por ele em seguida criticar a apatia dos que oram, dizendo que eles deviam conquistar o que desejam através do esforço. Esse sentido naturalista, somado ao sentido edificante e ao sentido político, torna a máxima "o trabalho é oração" um objeto complexo e cheio de riscos.

A reação católica contra a máxima "o trabalho é oração" no século XIX pode ter sido uma reação contra o materialismo naturalista. Havia um contexto de progresso, que ampliou a capacidade do ser humano transformar o mundo e a vida. E tanto Delalle quanto Eymard se opõem diretamente a um trabalho alheio a Deus. Além disso, Morin diz que a Igreja via a máxima "o trabalho é oração" como sendo "ditada pela incredulidade". Essa afirmação de Morin não pode ser vista apenas como opinião pessoal dele, uma vez que ele pertencia a um movimento já organizado, era já a segunda geração de livres pensadores ler em francês em persee.fr. Outra possível razão para a reação católica contra a máxima podem ter sido as mudanças políticas. No século XVIII existia na França uma união entre Igreja e Estado, que no século XIX foi substituída por uma concordata que favoreceu o estado. Esse novo contexto político e jurídico pode ter diminuído a tolerância que a Igreja tinha com as intervenções do estado na religião.

7. "O trabalho é oração" no livro Caminho de Escrivá

Os autores da Opus Dei confirmam que Escrivá tinha uma tendência para afirmar que o trabalho é oração. Vários deles, como Manuel Belda ou Peter Berglar, atribuem a Escrivá as palavras "Llega un momento, en el que nos es imposible distinguir dónde acaba la oración y dónde comienza el trabajo". E Rafael Alvira diz que "es característico de Mons. Escrivá el afirmar la indistinción entre trabajo y oración" (citado por Medina e Dolz em Compañeros de Camino, ler ebook em opusdei.org). Existe no livro Caminho a afirmação de que o trabalho é oração? Eu penso que sim, e parece-me que isso ocorre com maior nitidez no ponto 825, mas há alusões a essa máxima também noutros pontos [24] A máxima "o trabalho santifica" também é discernível em Caminho, no ponto 343.

Já vimos acima alguns sentidos da máxima "o trabalho é oração". Escrivá pretendeu algum deles em Caminho? Essa não é uma questão acadêmica, e ela tampouco se limita só a práticas pessoais de piedade. Há bem mais que isso, porque quando se afirma uma relação entre oração e trabalho, isso se reflete numa relação entre instituição religiosa e sociedade civil. A razão disso é que "oração" e "trabalho" não são só atos de uma pessoa, mas são também papeis dentro de uma sociedade [25]. Por isso a relação que Escrivá, na qualidade de fundador, quis que existisse entre oração e trabalho, é um indicador do papel que ele quis que a Opus Dei (no papel de "oração") tivesse perante a sociedade (no papel de "trabalho"). Por esse motivo, algumas vezes confundirei "oração" com "instituição".

Conforme explicarei a seguir, o sentido que me parece que Escrivá pretendeu dar em Caminho para a máxima "o trabalho é oração", seria o inverso daquele que eu dei na seção 5. Isto é, ao invés de uma influência do mundo civil sobre a religião, Escrivá quis uma influência da religião sobre a vida secular. Uma inversão desse tipo é sugerida em Camino n. 376, que afirma que não é só o ambiente que influi nas pessoas, porque o inverso também pode ocorrer. Do ponto de vista teórico, essa pretensão de Escrivá é apenas uma variante da ideia já presente em Justino mártir, de que o cristianismo é a alma do mundo. O problema está no modo prático com que Escrivá quis realizar essa influência, através de uma submissão do trabalho (cf. n. 936 "No apostolado, estás para submeter-te, para aniquilar-te"). Para a opinião dos autores da Opus Dei, veja a nota [26].

Escrivá sabe que o sentido mais espontâneo da máxima "o trabalho é oração" é a dignificação do trabalho. E, no livro Caminho, ele evitou negar diretamente esse sentido. Talvez por isso, ao ler Caminho, um trabalhador provavelmente se sentirá dignificado. Indiretamente entretanto Caminho nega aquela dignidade, porque sob o pretexto de submeter tudo a um fim superior, Caminho despreza as dificuldades naturais do trabalho, tratando-as como algo irrelevante. Por exemplo, ao dizer num capítulo entitulado "Os meios", para não se preocupar com dinheiro (n. 487), e nem com instrumentos (assim o n. 488, que se defende com o lamarckismo "la función crea el órgano"). Igualmente ao ensinar a superar dificuldades usando artimanhas (n. 899), ou dando importância para a tragédia da manteiga (n. 205), quando um trabalhador estará mais preocupado com a tragédia do desemprego. É da essência do trabalho levar a sério as causas segundas. Por isso o desprezo das dificuldades naturais, que no mundo real só se consegue superar a duras penas, faz o trabalho se descaracterizar. É como na fórmula "Deus+2+2" de Camino n. 471, que sugere que a contribuição humana (a parcela "2+2") desaparece perante o infinito de Deus.

Por isso o sentido que "o trabalho é oração" tem em Camino 825 é o de um trabalho que já não existe, porque foi transformado em oração desidratada. Passou a ser um cumprimento material de propósitos -sempre concretos (cf. n. 247), e portanto sem margem de interpretação-, definidos por uma oração -pessoal ou institucional- distante das necessidades do trabalhador [27]. Essa minha leitura do ponto 825 confirma-se através de casos de experiência [28], e também pela ausência em Caminho de uma formação de consciência que capacite para um diálogo de competências. Assim por exemplo o ponto 206, que afirma que o minuto heroico não debilita a natureza. Escrivá por acaso é médico, para orientar sobre o que pode ou não debilitar um corpo? Ou então no ponto 625, que exige a obediência de Abraão, ao "echar por tierra tu labor personal más floreciente, cuando quien puede lo disponga así". Por que não oferecer a possibilidade de um recurso a alguém com competência na área, a fim de avaliar os prejuízos acarretados por essa decisão? A prioridade da oração sobre o trabalho do n. 82 «Primero, oración; después, expiación; en tercer lugar, muy en "tercer lugar", acción», que é o princípio em que Caminho apoia-se, se for exercida cegamente, corre o risco de desenvolver-se como patologia. Não por ser um princípio errado, mas por desprezar o contributo da razão [29].

Há um dado em Caminho que ressalta o quanto Escrivá estava ciente dos riscos que assumia, porque confirma que ele não só informou-se das dificuldades que um instituto religioso enfrentava na década de 1930, mas também armou-se com todos os meios ordinários para defender-se. Trata-se do caso dos profissionais de grande destaque, porque para estes, ao tratar da relação entre oração e trabalho, Camino não se limitou a ascese do n. 825 ou a obediência do n. 625, mas acrescentou também a sedução do n. 63, que afirma que quanto maior o prestígio profissional, maior a necessidade de um diretor. O ponto 63 é uma síntese do binário trabalho-oração composto pelos dois primeiros capítulos de Camino. O personalismo é afirmado no primeiro capítulo "Caráter", e para isso Escrivá usou expressões como "Deja poso", e aproveitou a literatura de estímulo da vontade (ver seção n. 8 abaixo). Mas em seguida o personalismo é negado no segundo capítulo "Direção Espiritual", sob o princípio de que o espírito próprio é mau conselheiro (n. 59). Essa inversão é a mesma que existe na máxima "orai como se tudo dependesse de Deus, e trabalhai como se tudo dependesse de vós", que se revela assim como o paradigma daquele binário. Autores que trataram dessa máxima explicam que o modo de equilibrar-se entre esses dois extremos é ter plena confiança em Deus [30] (Caminho 63 deposita essa confiança concretamente no diretor espiritual).

8. Comparação entre Self-help de Samuel Smiles e Caminho de Escrivá

Esta seção afasta-se da máxima "o trabalho é oração" porque ela surgiu como uma nota da seção 7. Mas ela cresceu demais, por isso eu a transformei numa nova seção.

Em 1915 Adriano Suarez publicou na Espanha o livro Levántate y anda, que tinha o subtítulo "Principios fundamentales y normas prácticas de auto-educación y cultura humana. Estímulos y orientaciones racionales hacia una vida mejor". Esse livro foi descrito dos seguintes modos:

As literaturas que essas resenhas mencionam (a de busca do sucesso [31] e a de estímulo da vontade), encontram-se hoje englobadas no gênero da auto-ajuda. Valentín Sánchez e Escrivá possivelmente conheceram o livro de Adriano Suarez, devido a repercussão que ele alcançou. Em 1917 ele ganhou 24 páginas de "elogios", incluindo um da revista Razón y Fe da Companhia de Jesus ver fragmento em google books. Em 1918 Adriano Suarez foi recebido na Real Academia Hispanoamericana (confirmar em Real Biblioteca), e seu livro permaneceu sendo reeditado ao menos até 1946.

Embora tenham características diferentes, o livro Camino pode ter sido inspirado por Levántate y anda. E assim como explica Bonilla y San Martín no caso acima, Escrivá também obteve como resultado não uma auto-ajuda "pura", mas uma mescla de gêneros. De fato, Camino não pode ser descrito como auto-ajuda porque a auto-ajuda não admite um diretor do tipo que Camino propõe. Na auto-ajuda, é a própria pessoa que precisa ajudar-se. Isso é ilustrado pela fábula do carroceiro de Esopo: o carroceiro pede ajuda a Hércules para desatolar sua carroça. Então Hércules aparece, mas ao invés de resolver a dificuldade, diz para o próprio carroceiro empurrar a roda, porque fazendo isso ela soltará. E conclui com a máxima "ajuda-te, que o céu te ajudará".

Para tentar confirmar que Escrivá fez uso da auto-ajuda, eu procurei conteúdos de Caminho no célebre livro Self-help, do escocês Samuel Smiles (1812-1904). Smiles colheu, em vários autores, exemplos capazes de estimular a pessoa para buscar resultados práticos. O original inglês é de 1859. Na tabela abaixo ofereço semelhanças entre Self-help e o capítulo "Caráter" de Camino. A nota que ajuntei ao primeiro exemplo abaixo explica que essa "semelhança" é primariamente de afetos. A grande quantidade de semelhanças sugere que Escrivá possa ter aproveitado diretamente o levantamento feito por Smiles.

capítulo Carácter de Camino ¡Ayúdate! ed. 1895 ler em archive.org Self-Help ed. 1897 ler em gutenberg.org
1 Que tu vida no sea una vida estéril. -Sé útil. -Deja poso. -Ilumina, con la luminaria de tu fe y de tu amor. Borra, con tu vida de apóstol, la señal viscosa y sucia que dejaron los sembradores impuros del odio. -Y enciende todos los caminos de la tierra con el fuego de Cristo que llevas en el corazón. descendía sobre él un extraño placer al notar que tenía los medios de ser útil, y los de ser feliz, y nacían un profundo respeto y un ardiente afecto por aquel que le había enseñado de ese modo á evaluar la vida, su propio ser, su trabajo y su misión en la vida. [32] a strange joy came over him on discerning that he had the means of being useful, and thus of being happy; and a deep respect and ardent attachment sprang up towards him who had taught him thus to value life and his own self, and his work and mission in the world.
2 Ojalá fuera tal tu compostura y tu conversación que todos pudieran decir al verte o al oírte hablar: éste lee la vida de Jesucristo. La tarea no era por cierto muy fácil. Requería dinero, tiempo, energía, prudencia, y sobre todo, carácter, y la confianza que inspira invariablemente el carácter. The task was by no means easy. It required money, time, energy, prudence, and above all, character, and the confidence which character invariably inspires.
7 No tengas espíritu pueblerino. -Agranda tu corazón, hasta que sea universal, "católico". No vueles como un ave de corral, cuando puedes subir como las águilas. Jamás ha existido un caballero que no haya sido dueño de un gran corazón. Y esto puede manifestarse bajo la burda mezclilla del campesino, lo mismo que bajo la galoneada casaca del noble There never yet existed a gentleman but was lord of a great heart. And this may exhibit itself under the hodden grey of the peasant as well as under the laced coat of the noble.
9 Eso mismo que has dicho dilo en otro tono, sin ira, y ganará fuerza tu raciocinio, y, sobre todo, no ofenderás a Dios. hay un modo de decir una palabra bondadosa, ó de hacer una cosa bondadosa, que aumenta grandemente su valor. there is a way of speaking a kind word, or of doing a kind thing, which greatly enhances their value.
10 No reprendas cuando sientes la indignación por la falta cometida. -Espera al día siguiente, o más tiempo aún. -Y después, tranquilo y purificada la intención, no dejes de reprender. -Vas a conseguir más con una palabra afectuosa que con tres horas de pelea. -Modera tu genio. Dice De Maistre que : « Saber cómo se ha de esperar es el gran secreto del éxito. » Debemos sembrar antes de poder cosechar, y á veces hay que esperar largamente (...) pues á veces la fruta que más tarda en madurar es la más digna de que se la espere. De Maistre says that “to know how to wait is the great secret of success.” We must sow before we can reap, and often have to wait long (...) the fruit best worth waiting for often ripening the slowest.
11 Voluntad. -Energía. -Ejemplo. -Lo que hay que hacer, se hace... Sin vacilar... Sin miramientos... Sin esto, ni Cisneros hubiera sido Cisneros; ni Teresa de Ahumada, Santa Teresa...; ni Iñigo de Loyola, San Ignacio... ¡Dios y audacia! -"Regnare Christum volumus!" la gran diferencia entre los hombres, entre el el débil y el fuerte, el grande y el pequeño, es la energía — invencible determinación — un propósito fijado una vez, y después ¡ la muerte ó la victoria ! the great difference between men, between the feeble and the powerful, the great and the insignificant, is energy—invincible determination—a purpose once fixed, and then death or victory!
12 Crécete ante los obstáculos. -La gracia del Señor no te ha de faltar: "inter medium montium pertransibunt aquae!" -¡pasarás a través de los montes! ¿Qué importa que de momento hayas de recortar tu actividad si luego, como muelle que fue comprimido, llegarás sin comparación más lejos que nunca soñaste? casi podría decirse que el haber tropezado al principio con dificultades y circunstancias adversas, ha sido la necesaria e indispensable condición para el éxito. it might almost be said that early encounter with difficulty and adverse circumstances was the necessary condition of success.
13 Aleja de ti esos pensamientos inútiles que, por lo menos, te hacen perder el tiempo. en la presunción de que están cultivando sus inteligencias, cuando sólo están ocupados en la tarea más humilde de matar el tiempo in the conceit that they are cultivating their minds, when they are only killing time.
15 No dejes tu trabajo para mañana. no dejar para mañana el trabajo de hoy not to leave till to-morrow the work of to-day.
16 ¿Adocenarte? -¿¡Tú... del montón!? ¡Si has nacido para caudillo! Entre nosotros no caben los tibios. Humíllate y Cristo te volverá a encender con fuegos de Amor. el gran ministro, ó jefe de partido parlamentario, tiene que ser forzosamente uno de los más activos trabajadores. the great Minister, or parliamentary leader, must necessarily be amongst the very hardest of workers.
18 Te empeñas en ser mundano, frívolo y atolondrado porque eres cobarde. ¿Qué es, sino cobardía, ese no querer enfrentarte contigo mismo? No es el mayor esclavo aquel que está dominado por un déspota, por grande que sea ese mal, sino aquel que sirve de juguete á su propia ignorancia moral, al egoísmo, y al vicio The greatest slave is not he who is ruled by a despot, great though that evil be, but he who is the thrall of his own moral ignorance, selfishness, and vice.
19 Voluntad. -Es una característica muy importante. No desprecies las cosas pequeñas, porque en el continuo ejercicio de negar y negarte en esas cosas -que nunca son futilidades, ni naderías- fortalecerás, virilizarás, con la gracia de Dios, tu voluntad, para ser muy señor de ti mismo, en primer lugar. Y, después, guía, jefe, ¡caudillo!..., que obligues, que empujes, que arrastres, con tu ejemplo y con tu palabra y con tu ciencia y con tu imperio. La atención, la aplicación, (...) pueden parecer á primera vista que son pequeneces (...) La repetición de pequeños actos es lo que constituye no solamente la suma del carácter humano, (...) Attention, application, (...) may appear to be small matters (...) It is the repetition of little acts which constitute not only the sum of human character, (...)
firmeza (...) tacto (...) Estas cualidades son valiosas especialmente, y en realidad indispensables, en aquellos que dirigen la acción de otros hombres en grande escala firmness (...) tact (...) These qualities are especially valuable, and indeed indispensable, in those who direct the action of other men on a large scale
21 Pretextos. -Nunca te faltarán para dejar de cumplir tus deberes. ¡Qué abundancia de razonadas sinrazones! No te detengas a considerarlas. -Recházalas y haz tu obligación. Aquel que permite que desfallezca su aplicación, ó evite su trabajo por frivolos pretextos, está en camino seguro de un fracaso final. Empréndase una tarea como imposible de evitar He who allows his application to falter, or shirks his work on frivolous pretexts, is on the sure road to ultimate failure. Let any task be undertaken as a thing not possible to be evaded
32 Tú no serás caudillo si en la masa sólo ves el escabel para alcanzar altura. -Tú serás caudillo si tienes ambición de salvar todas las almas. No puedes vivir de espaldas a la muchedumbre: es menester que tengas ansias de hacerla feliz. por todos los medios han tratado de mejorar la condición moral y social de los obreros que ocupaban (...) sería ingrato en mí no emplear parte de la fortuna que poseo en adelantar el bienestar de aquellos entre quienes vivo they have sought in all ways to improve the moral and social condition of the work-people in their employment (...) it would be ungrateful in me not to employ a portion of the fortune I possess in promoting the welfare of those amongst whom I live
34 No tengas miedo a la verdad, aunque la verdad te acarree la muerte. El caballero es sobre todo veraz. Siente que, la verdad es la cúspide de la existencia, y el alma de la rectitud en los asuntos humanos. Above all, the gentleman is truthful. He feels that truth is the “summit of being,” and the soul of rectitude in human affairs.
42 ¿Por qué esas variaciones de carácter? ¿Cuándo fijarás tu voluntad en algo? -Deja tu afición a las primeras piedras y pon la última en uno solo de tus proyectos. Si es practicable, lo puedo llevar si me tomo el debido trabajo para ello; y si lo principio, no me detengo hasta que lo he concluido. If it be practicable, I can accomplish it if I give sufficient pains to it; and having begun, I never stop till the thing is done.
46 ¿No crees que la igualdad, tal como la entienden, es sinónimo de injusticia? [33] Semejantes reformas sólo pueden ser efectuadas por medio de la acción individual, la economía, y la abnegación; por hábitos mejores, más bien que por grandes derechos. Such reforms can only be effected by better habits, rather than by greater rights.

Notas

[17] Camino 335 pode ser entendido como a afirmação de que ascéticas "modernas" exercitam a simultaneidade entre oração e trabalho ("uma hora de estudo é uma hora de oração"), em contraste com ascéticas "antigas" que intercalam trabalho com oração. A palavra "moderno" remete para a Companhia de Jesus, uma vez que os jesuítas usam essa palavra para fazer referência a si mesmos (por exemplo no título do livro de François de Dainville "O nascimento do humanismo moderno", que na verdade trata da pedagogia jesuíta ver resenha em francês em persee.fr). Camino 335 seria portanto a sugestão velada de que a ascética de Escrivá praticava a simultaneidade que os jesuítas, depois da publicação das cartas de Jerônimo Nadal em 1905, associaram com a fórmula "contemplação na ação", como se lê por exemplo neste texto que o jesuíta Jose María de Estefanía Zabala publicou em 1931: "esta entrega total a la acción, a la lucha por Cristo y a las órdenes de Cristo, no se divorcia un instante de la oración, sino que se funde íntimamente en un ser con ella" ler em dialnet.unirioja.es. Isso era conveniente para Escrivá por causa do prestígio que o apostolado jesuíta com seculares tinha naquele momento, em que a Ação Católica estava em expansão, e os seculares procuravam ter um papel menos subordinado. De fato, em 1929 Pio XI elogiou na encíclica Mens Nostra os «Ejercicios de Obreros» dos jesuítas, e também afirmou "la admirable facilidad de acomodar" os Exercícios espirituais de Inácio de Loyola aos que "lleven una vida activa en negocios seculares" ler em vatican.va. Os exercícios espirituais para seculares, que os jesuítas tentaram iniciar na Itália em 1866, mas disseminaram principalmente a partir de 1882 na França (cf. Gli Esercizi Spirituali e l'Azione Cattolica, Civiltà Cattolica 1931 v. 3 p. 481-494), eram também conhecidos como "Obra de Retiros", ou simplesmente como "Obra". Por isso nas conversas entre Valentín Sánchez e Escrivá, a palavra "obra" deve ter sido usada muitas vezes. Um dos artigos de Civiltà Cattolica sobre esse tema, publicado em 1908, pode ser lido em italiano em archive.org. Há nele expressões como "Opera degli Esercizi Spirituali", "opera dei Ritiri", "un'Opera", e "opera nuova". Pio XI usou na Mens Nostra a expressão "Obras «en pro de los Ejercicios»".

[18] Seguem seis usos não literais da máxima "o trabalho é oração", em ordem cronológica. Em cada caso indica-se a restrição que tira a literalidade. Em alguns casos a não literalidade é reforçada pela variação da forma (por exemplo Boaventura não escreve "o trabalho é oração", e sim "que tus trabajos sean una oración").

  1. São Boaventura (1221-1274) fala do trabalho feito com o espírito em Deus. "Dirigirás continuamente tu espíritu a Diós, de tal manera que todos tus trabajos, todos tus ejercicios, lo mismo espirituales que corporales, sean una oración; y prestarás todos tus servicios, en especial los más humildes, con tanto fervor de caridad como se lo hicieras con la persona de Cristo. Debes y puedes en verdad pensarlo así, cuando El mismo dice en el Evangelio: Lo que hicisteis con alguno de estos mis pequeñuelos, conmigo lo hicisteis (Mt 25,40)", Veinticinco memoriales de perfección n. 19, Obras de san Buenaventura t. 4, BAC 28, 1963, p. 480 ler em latim em google books.
  2. Em 1787, Barthélemy Mercier de Saint-Léger, dentro do tema da querela dos estudos monásticos, menciona a máxima "qui laborat orat" e explica seu sentido dizendo que "Quando o trabalho dos religiosos for dirigido pelo zelo pela utilidade pública, quando, para servir o país, eles se ligarem à custódia da Biblioteca do Rei, seus superiores os dispensarão" ler em francês em google books. O fato de haver uma dispensa tira a literalidade, porque se o trabalho cumprisse o preceito de orar, não haveria necessidade da dispensa. De fato, a única concessão prevista é permitir ao monge orar no local do trabalho, quando for distante do oratório.
  3. Livia Bianchetti fala do trabalho feito para obedecer a Deus e ajudar o próximo. "Debemos pues nosotras ocuparnos con prudente actividad, teniendo presente que el trabajo es oración si se hace con el fin de obedecer á Dios y ayudar á nuestro prójimo." La mujer católica en las diversas condiciones de hija, esposa y madre, 1890, p. 125. Ler em minerva.usc.es. Ler fragmento em google books.
  4. No posconcílio, Escrivá disse que para o trabalho ser oração, tem que ser santificado. "no hay tarea humana que no sea santificable, motivo para la propia santificación y ocasión para colaborar con Dios en la santificación de los que nos rodean. (...) Trabajar así es oración. Estudiar así es oración. Investigar así es oración." (Es Cristo que pasa n. 10).
  5. O cardeal Confalonieri fala do trabalho dedicado a Deus, e preocupou-se também em dar as duas formas da máxima. "Muitas vezes ouvimos dizer e dizemos também nós que o trabalho é oração; quem trabalha reza. Quando o nosso trabalho é dedicado a Deus e oferecido a Deus, torna-se oração." Homilia em sufrágio pelos papas Paulo VI e João Paulo I, 1981. Ler em português em vatican.va.
  6. Em relação a Tomás de Aquino não cantar os salmos, em 1988 Armando Bandera escreveu que Tomás de Aquino dedicava-se ao trabalho com espírito litúrgico, "transformando así el trabajo de escribir en verdadera oración" (Suma de Teologia v. 1, BAC maior n. 31, p. 489). Entretanto Armando Bandera também afirma que houve a dispensa, ao ajuntar que "la legislación dominicana eximía a Santo Tomás de ciertos actos corales" (compare com o caso acima de Barthélemy Mercier de Saint-Léger).

[19] Na nota n. 18 eu incluí uma ocorrência medieval. Quem voltar mais no tempo provavelmente encontrará outras. Assim por exemplo segundo E. William Robertson, a ideia de que o trabalho é oração já existia há cerca de 3 mil anos atrás, quando Zaratustra ensinou haver 3 classes: proprietário, associado e servo. E para consolar os servos, ele ensinou também que o trabalho era um dever religioso e um ato de culto, ler em inglês em archive.org (veja a expressão "qui laborat orat" na primeira linha da página xxiv). Entretanto um dos motivos que torna difícil comparar casos assim tão antigos com os modernos é o fato de que o conceito de trabalho muda no tempo.

[20] Dos casos que deparei em Jean Richard de uma linguagem mais "secular", eu examinei um que encontrei num sermão de 1684. Ao explicar a doutrina de são Bernardo sobre os três tipos de trabalho, Richard escreve que "existe, diz s. Bernardo, um trabalho santo" ler em francês em google books. Essa expressão "trabalho santo" não é muito frequente na espiritualidade, e são Bernardo não a usou. O que se lê no sermão 27 dos sermões diversos de Bernardo, usado por Jean Richard, é que "Este trabajo se basa en una raíz distinta", e que ele "está arraigado en la eternidad, que nunca perece" (Obras completas de san Bernardo, BAC n. 110, v. 1, 1953, p. 986). Com isso Bernardo quis significar um trabalho que não se realiza nem para alimentar um vício, e nem por necessidade prática, mas apenas por obediência, ou exclusivamente por caridade. A expressão "trabalho santo" parece ter sido um modo que Jean Richard encontrou para "traduzir" para os seculares isso que Bernardo explicou. Isto é, Richard trocou uma explicação extensa por uma fórmula de impacto, mas de sentido vago. Eu não encontrei na internet uma tradução para o espanhol daquele sermão 27 (ele pode ser lido em latim), mas são Bernardo tem um outro sermão, presente na tradução de Adriano de Huerta, que explica a mesma doutrina dos três trabalhos, ler sermão da paixão do Senhor.

[21] A Opus Dei certamente investigou a história das ascéticas do trabalho de um modo detalhado, e possivelmente levantou casos como o de Jean Richard ou da Mercure Galant. Casos como esses podem ter influenciado Escrivá? Um sinal de que isso pode ter ocorrido é o caráter defensivo de algumas declarações da Opus Dei relacionadas com aspectos canônicos ou éticos da condição laical. Assim a alegação de que o tribunal eclesiástico não tinha jurisdição sobre o professor do colégio Gaztelueta acusado de assédio (ver em Opuslibros artigo de Carmen Charo, que teve diversas respostas). Ou ainda a tentativa de eximir-se de responsabilidades pelas opiniões de seus sócios leigos (ver em Opuslibros artigo de Salypimienta). Porque naqueles casos históricos mencionados, ou noutros semelhantes, Escrivá pode ter percebido a liberdade laical como um modo de blindar a Opus Dei. Em favor dessa hipótese pode-se alegar a exigência que Escrivá fez para que o leigo assumisse pessoalmente as responsabilidades, sem defender-se através da instituição. Assim Conversaciones n. 117, quando fala em "pechar con la propia responsabilidad personal".

[22] Escrivá ensinou a ridicularizar Voltaire em Camino 849, e isso permite discutir se Camino 357 não seria uma citação irônica, que tentou tirar proveito da crítica de Voltaire aos médicos (Voltaire dizia que 98% dos médicos eram charlatães, ler em espanhol em google books). A prática da caridade através da medicina popular usou livros como o Thesaurus Pauperum de Pedro Hispano, do século XIII. No livro de 1669 O médico dos pobres, de Paul Dubè, evitar o ócio através do trabalho moderado é preceito médico. Ele diz que, segundo Hipócrates, "la sobriedad, y el trabajo moderado son los dos principios de la salud de el hombre". E dá inclusive um fundamento fisiológico, dizendo que o trabalho moderado "ayuda à la digestion, facilita la transpiracion de los humores, quita las obstrucciones, dà vigor á las faculdades vitales" ler em espanhol em google books. Na época de Voltaire, circulava na Europa o livro de Madame Fouquet (original de 1685), que ensina muitos remédios caseiros. Essa automedicação, que apontava já para um dos eixos do que viria a se tornar a literatura de auto-ajuda no século XIX, pode ter sido também uma tentativa de reduzir o custo social da medicina. Para defender a economia popular contra os médicos, Madame Fouquet inclusive incentivou os clérigos a atuarem como médicos de corpos, dizendo que isso não é indigno do ministério sacro, devido ao exemplo de Jesus ler em francês em google books (na tradução espanhola de 1750 ler em google books não existe a carta inicial dirigida aos clérigos; sobre a interdição canônica do exercício da medicina, veja-se Los jesuitas y la medicina en el Rio de la Plata, de Carlos Leonhardt ler em usal.edu.ar). É neste ponto que entra Voltaire com sua personagem, o cura de aldeia Teótimo. Referindo-se aos seus paroquianos, Teótimo diz "Eu conheço o suficiente de medicina para indicar-lhes remédios simples quando eles adoecem", ler em francês edição de 1767 (em várias edições essa frase não aparece, ver exemplo de 1792). Teótimo também recomendou evitar o ócio, dizendo que "El trabajo moderado contribuye á la salud del cuerpo y a la del alma", ler em espanhol em google books. É essa recomendação que Escrivá aparentemente ironizou em Camino 357, embora, ao fazer isso, também adentrou amadoristicamente em tema médico. Em seguida Aristo faz um elogio dizendo que Teótimo conciliou a oração com o trabalho. Poucos anos depois de Voltaire escrever isso, os mosteiros seriam destruídos na revolução.

[23] Após a morte de Pedro Julião Eymard (1811-1868) seus discípulos passaram a publicar uma série de volumes com o título La Divine Eucharistie. O editor informa que não são apenas anotações do próprio Eymard, mas também outras notas, tomadas por outras pessoas, daquilo que Eymard falava, confirmar, em espanhol, em apostoladomariano.com (veja p. 3), confirmar, em francês, em google books. Através do site eymard.org, pode-se confirmar que o texto que copiei acima não é autógrafo. Ele foi tomado pelo padre Tesnière, no dia 4 de abril de 1867.

[24] Além do n. 335, que eu já abordei na seção 4, o ponto n. 933 de Camino apresenta um certo paralelo com a máxima "o trabalho é oração", ao dizer que "obras son amores". Inácio de Loyola preferiu uma linguagem que distingue as realidades do amor e da obra. Assim ele diz no n. 230 dos Exercícios Espirituais que "el amor se debe poner más en las obras que en las palabras", mantendo-se mais próximo de 1Io 3,18 «no amemos de palabra y con la lengua, sino con obra y de verdad».

[25] O anônimo de 1770 na seção 5 acima mostra essa percepção popular, ao entender que o culto é dos sacerdotes, enquanto o trabalho é do povo. Escrivá faz o mesmo em Camino n. 98, ao associar a oração de modo especial com sacerdotes e virgens consagradas. Quando alguém pede uma missa por um defunto, ou quando envia pela internet um pedido de oração a um mosteiro budista, também a oração aparece como um papel especializado dentro da sociedade. Na arte e na literatura essa separação de papeis aparece de muitos modos. Por exemplo Don Quijote manda Sancho Panza orar, enquanto ele encarrega-se de enfrentar os moinhos de vento (parte I, capítulo VIII ler em cervantesvirtual). E na ópera de 1863 Os pescadores de pérolas, de Georges Bizet, o canto da sacerdotisa Leila tem que proteger os pescadores da fúria do mar. Por isso o povo revolta-se quando descobre que Nadir foi encontrá-la secretamente no templo ler em espanhol em Wikipedia.

[26] Qual dizem ser os autores da Opus Dei o sentido de Camino 825? Burkhart e López fazem apenas uma rápida menção deste ponto. Eles dizem que «El mismo desempeño de los quehaceres cotidianos puede ser "oración cuajada en obras" (Camino 825). Esto acaece cuando "reconocemos a Dios (...) en la experiencia de nuestra propia labor" (Es Cristo que pasa n. 48). Quien obra por amor a Dios puede ser consciente de que le está amando al cumplir sus deberes (...)» (Vida cotidiana y santidad t. 3 p. 55). Eu penso que eles coincidem com o que eu expliquei sobre a influência da oração quando afirmam que o cumprimento do dever é o critério para saber que amamos. Entretanto eles tomam o cuidado de fazer isso de um modo abstrato, sem identificar a fonte concreta desse dever.

[27] Jose Luis Illanes, no epílogo do livro la santificación del trabajo, referindo-se a oração e ao trabalho em Escrivá, afirma que a oração não se justapõe ao trabalho, o que ocorre é que essas duas realidade integram-se "en una vision unitaria de la vida humana" (ou seja, Illanes confirma aqui o que a nota 17 acima explica a propósito de Camino 335, a saber, que Escrivá tentou defender-se através da espiritualidade jesuíta de simultaneidade, ao invés de intercalação). Illanes entretanto removeu um texto que permitia questionar o entendimento que Escrivá tinha do trabalho. Trata-se de uma carta que se supõe que seja de 14-II-1950, na qual Escrivá afirma que as atividades internas das casas da Opus Dei deviam ser consideradas um trabalho profissional. Na primeira edição brasileira do livro A santificação do trabalho, publicada em 1968, isso está na p. 27 com o seguinte texto: "a atividade de quantos se ocupam nas tarefas de govêrno espiritual da Obra ou da formação dos seus irmãos (...) devem ser entendidas como o que realmente são: um trabalho profissional". Na segunda edição brasileira, publicada em 1982 (e também na décima edição espanhola, disponível online), essa menção daquela carta desapareceu.

[28] Por método eu me restringi na seção 7 ao livro Camino. Mas também coletei em Opulibros casos de experiência que ilustram a influência da religião sobre o trabalho na Opus Dei, com tendência de extinguir a vida secular. Seguem exemplos em ordem cronológica.

  1. "Queda poco espacio no sólo para la piedad personal, sino incluso para cualquier aportación personal" (postado por Gervasio em 4-V-2007, argumenta que as normas da espiritualidade da Opus Dei ocupam tempo demasiado, contra o papel ascético que, segundo Camino 335, o trabalho devia desenvolver) Ler em Opuslibros.
  2. "Sobre este colegio, como en todos los demás, siempre sobrevolaban y sobrevuelan dos organizaciones teóricamente distintas, pero que en la realidad están mezcladas y son difícilmente separables desde sus inicios: de un lado; el Opus Dei; de otra, La empresa." (Postado por Enrique Antonio em 16-VIII-2010, apresenta a influência não no nível pessoal mas organizacional). Ler em Opuslibros.
  3. "me entusiasmaba la posibilidad de tener una profunda unión con Cristo en el cumplimiento de mis deberes seculares, sin alejarme del mundo, y que esto me permitiera llevar el ideal cristiano a muchas otras personas. Lo que deseo subrayar es que en ese momento no me di cuenta claramente de que, pidiendo la admisión en la Obra como Numeraria Auxiliar, de hecho me disponía a trabajar exclusivamente para la organización" (do testemunho de Leonisa, postado em 28-IX-2011). Ler em Opuslibros.
  4. "Los ingresos económicos de los numerarios." (Postado por JM em 19-XII-2011, descreve detalhes da obrigação do membro celibatário da Opus Dei entregar seu salário, contra a autonomia que a vida profissional necessita para desenvolver-se). Ler em Opuslibros.
  5. "Son almas que quedan dañadas, a veces imposibilitadas para ejercer un trabajo, que es el quicio de su santidad. El afán proselitista de conseguir, por ejemplo, 500 vocaciones por encargo, puede llevar a los directores a graves faltas de responsabilidad y ejercer una coacción de almas para conseguir números, en vez de dirigir espiritualmente a las personas hacia Dios." (Postado por Arnust em 14-I-2013, sobre danos psicológicos que comprometem a capacidade de trabalho) Ler em Opuslibros.
  6. "La frontera es porosa entre el discurso piadoso y la manipulación de las almas." (Postado por Ottokar em 20-V-2016, trata-se de um dos pontos da resenha que a revista Études da Companhia de Jesus publicou do livro Tras el umbral de Carmen Tapia, uma fronteira porosa permite passar de um lado para o outro). Ler em Opuslibros.
  7. "La dependencia emocional que logran o lograron en nosotros es tal que, a pesar de ser supernumerarios, sentimos la obligación de consultarlo prácticamente todo". (Postado por Pasiva em 4-V-2018, a influência se amplia para todos os aspectos da vida prática). Ler em Opuslibros.
  8. "recuerdo dos mexicanos que por empeñarse en vivir su profesión han terminado relegados por el opus". (Postado por Al Chile em 9-V-2018, manifesta a influência através do conflito prático entre a orientação institucional da Opus Dei e a orientação profissional). Ler em Opuslibros.
  9. "Los colegios ligados a la Obra cambian su modelo de docencia tras ser sancionados por discriminación laboral por no contratar ni promocionar a mujeres." (Postado por Aloevera em 3-X-2018, é um caso onde a ascética influencia o modelo da empresa, e neste caso produzindo condenação trabalhista). Ler em Opuslibros.
  10. "La dedicación profesional de los numerarios." (Postado por JaraySedal em 13-II-2019, reflete que a Opus Dei nos seus inícios necessitava influir menos na vida das pessoas porque a sociedade civil era mais fechada). Ler em Opuslibros.
  11. "después de haber pitado, solo había ejercido como ingeniero durante 6 meses." (Postado por Carlos Olivares em 15-II-2019, é outro caso do conflito entre orientar-se pela Opus Dei ou pela profissão). Ler em Opuslibros.

[29] O cardeal Ratzinger escreveu em 2005 que na religião existem patologias que precisam ser continuamente purificadas pela razão, ler em inglês em matiane.wordpress.com, é a primeira das duas conclusões finais, que começa com as palavras "We have seen" - esse é o texto de Ratzinger no debate com Jurgen Habermas no livro Dialética da secularização. Quando Deus ordena a Abraão sacrificar Isaac (Gn 22), não há dúvida sobre qual é a vontade de Deus. Mas na vida do cristão a dúvida existe, e o papel purificador da razão se compreende melhor justamente pelo fato de que geralmente só conhecemos a vontade de Deus num sentido geral (cf. Tomás de Aquino I-II,19,10, ler a objeção n. 1 onde está escrito "en la mayoría de los casos, ignoramos lo que Dios quiere", e depois a respectiva resposta, que dá a solução de meio termo, ler em espanhol em catholic.net). Daí a necessidade de se prever o recurso. Assim a regra de são Bento no capítulo 68 indica ao monge que recebeu uma ordem impossível de cumprir, que "exponga a su superior las causas de su imposibilidad con paciencia y oportunamente" ler em monasteriopaular.com. E são Bernardo, numa situação paradoxal, não hesitou em indicar a exceção de desobedecer o superior a fim de não ofender a Deus ler em espanhol em google books. É claro que os "recursos" ou "exceções" podem falhar, e por isso nunca eliminarão a possibilidade de imprudências ou injustiças. Mas eles têm um importante papel pedagógico na formação da consciência. O capítulo de Camino sobre obediência (que inclui o ponto n. 625), não prevê papel algum para a razão. E os pontos que o índice acrescentou ao mesmo tema, e que são, nesta ordem, 706, 56, 259, 333, 383, 457, 941, 952, 315, e 715, também não prevêem. Eu ainda pretendo voltar neste tema, quando tratar da santificação do trabalho segundo a imagem do horizonte de Conversaciones n. 116.

[30] A máxima "Orai como se tudo dependesse de Deus, e trabalhai como se tudo dependesse de vós" é muitas vezes atribuída a Inácio de Loyola. O Catecismo da Igreja Católica n. 2834 aceitou essa atribuição, com a qual os jesuítas nem sempre concordam. A formulação de Pedro de Ribadeneira (1526-1611) é um pouco diferente, uma vez que ela não desconecta as duas partes, mas fala em tomar todos os meios honestos, estribando-se em Deus, ler em google books (confirmar na edição de 1595). Em Charles Rollin (1661-1741), que aplicou essa máxima a Judas Macabeu, já havia uma desconexão, porém precedida da explicação de que é a confiança em Deus que dá coragem para buscar meios: "com essa plena confiança em Deus, Judas emprega tudo que a ciência mais perfeita da guerra e a prudência mais consumada pudessem imaginar de mais próprio para fazê-lo vencer os inimigos. Modelo admirável para os generais! Orar humildemente porque tudo depende de Deus; agir vivamente como se tudo dependesse do homem" Ler em francês em google books. Há uma tradução espanhola em google books, mas neste ponto ela está errada. Rollin foi um reitor, destituído pela sua adesão ao jansenismo. Ele é uma das possíveis fontes ler em espanhol em google books do ponto 195 de Camino ("el alma y el cuerpo son dos enemigos que no pueden separarse, y dos amigos que no se pueden ver"). O original entretanto parece ser o livro de autor anônimo La passion de la sacrée vierge Marie, de 1668, que destaca que "a divisão compõe uma parte da nossa essência" ler em francês em Google Books.

detrás de todo gran hombre hay siempre una gran mujer

[31] Segundo a crítica de Chesterton no artigo The Fallacy of Success (ler em inglês em gutenberg.org - é o terceiro artigo do livro), os livros de busca do sucesso, mesmo quando propunham temas específicos (por exemplo como vencer no jogo de cartas, ou como enriquecer), davam apenas orientações genéricas, como por exemplo a necessidade de ter um objetivo claro, ou de não permitir a vitória do adversário. Por isso Chesterton acusou-os de não tratar dos temas que prometiam. Quais eram os temas dos livros de busca do sucesso? Segundo Jessica Lamb-Shapiro, no século XIX alguns desses temas eram perda de peso, sucesso no casamento, administração do tempo, administração do lar, etiqueta, autocontrole, automedicação ler em inglês em publishingperspectives.com.

[32] Samuel Smiles extraiu, da biografia do educador inglês Thomas Arnold (1795–1842), um texto que descreve o sentimento de um jovem aprendiz que descobriu ter uma posição de trabalho, e por isso sente gratidão. Eu propus abaixo um modo de transformar esse texto em Camino n. 1, baseado em distinguir e adaptar "afetos" (entendidos em sentido amplo). O processo todo seria semelhante a preservar ritmo e melodia de uma música, mas fazendo ajustes na letra da canção. O que os quadros abaixo sugerem é que Escrivá materializou sentimentos (por exemplo a alegria) em obras, e trocou o valor terreno ou secular pelo fogo de Cristo. Além disso substituiu Thomas Arnold por ele mesmo (Escrivá aparece em Camino como pai que faz confidências, ou seja, como narrador).

Quadro 1. Estrutura inicial na biografia de Thomas Arnold.
texto da biografia de Thomas Arnold afeto
descendía sobre él un extraño placer al notar que tenía los medios de prazer de conhecer (notar = conhecer)
ser útil, y los de ser feliz, alegria de trabalhar (ser útil = trabalhar)
y nacían un profundo respeto y un ardiente afecto por respeito e gratidão
aquel que le había enseñado de ese modo á mestre Thomas Arnold
evaluar la vida, su propio ser, su trabajo y su misión en la vida valor secular

Quadro 2. Adaptações de afetos.
afeto antes afeto depois
prazer de discernir cumprir missão
alegria de trabalhar dar fruto
respeito e gratidão apostolado (Camino 242 deudas se pagan con obras)
mestre Thomas Arnold ouvir Escrivá
valor secular fogo de Cristo

Quadro 3. Estrutura resultante em Camino.
afeto texto de Camino n. 1
ouvir Escrivá Que tu vida no sea una vida estéril.
dar fruto -Sé útil. -Deja poso.
cumprir missão -Ilumina, con la luminaria de tu fe y de tu amor.
apostolado Borra, con tu vida de apóstol, la señal viscosa y sucia que dejaron los sembradores impuros del odio.
fogo de Cristo -Y enciende todos los caminos de la tierra con el fuego de Cristo que llevas en el corazón

[33] Na tabela acima eu incluí uma proximidade ideológica entre Camino n. 46 e Samuel Smiles, mas Arturo Hernández Vega já havia apontado uma semelhança textual entre o mesmo ponto e Nietzsche ler em Opuslibros. Arturo percebe também semelhanças temáticas entre Nietzsche e outros pontos de Camino. Arturo propõe Josef Sellmair como intermediário entre Escrivá e Nietzsche. Para isso ele apresenta o argumento de que Jesus Urteaga citou Sellmair, e também a tese de que a leitura de Sellmair teria sido o fator que acelerou a redação de Camino em 1938 ler em Opuslibros. Há uma edição portuguesa de 1960 do livro O sacerdote no mundo de Sellmair, da editora Aster, ligada a Opus Dei. Eu não examinei se a influência germânica sugerida por Arturo é compatível com a dependência de Smiles que eu propus. Do ponto de vista do método de composição do livro Camino, baseado em fichas, a resposta parece ser afirmativa, mas eu não tentei descer aos detalhes. Eu acrescentaria que Escrivá pode ter recebido alguns aforismos germânicos também através de Valentín Sánchez, e isso se evidencia no texto que dei acima de Zabala. Através do verbo "fundir", ele faz uma menção de Hegel, que escreveu no livro Espírito do cristianismo "Y éste es su destino, que Iglesia y Estado, servicio divino y vida, piedad y virtud, acción espiritual y acción mundana, no puedan nunca fundirse en Uno" (essa tradução é do livro Historia de la Filosofía Moderna de Félix Duque).